Tempo de tela, classe social e educação infantil no Brasil
Publicado por Laura Liz Andrade em 24/07/2025. • Tempo de leitura: ~7 minutos.
O tempo de tela das crianças é um tema cercado de julgamentos e preconceitos que ignoram o contexto social e econômico das famílias brasileiras. Este texto aborda a influência da classe social, o estigma associado e recomenda práticas para um uso saudável da tecnologia na infância.
Vamos encarar a realidade: o debate sobre o tempo de tela das crianças está cercado de julgamentos e preconceitos que muitas vezes ignoram o contexto real das famílias brasileiras. Muitos assumem que crianças grudadas em dispositivos eletrônicos indicam pais negligentes ou preguiçosos, mas essa visão é simplista e desconsidera fatores fundamentais como a classe socioeconômica, a rotina familiar e as dificuldades enfrentadas por diferentes grupos sociais.
Quando observamos uma criança usando um aparelho digital, não sabemos o que ela fez ao longo do dia, nem as condições em que vive. O uso do tempo de tela deve ser avaliado levando em conta a realidade particular de cada família, principalmente no Brasil, onde as desigualdades sociais são marcantes e influenciam diretamente a forma como as crianças interagem com a tecnologia.
A influência da classe socioeconômica no tempo de tela
Estudos mostram que crianças de famílias de baixa renda no Brasil e no mundo tendem a passar mais tempo diante das telas do que aquelas de famílias mais abastadas. Uma pesquisa de 2019 da Common Sense Media revelou que crianças de famílias com renda inferior a 35 mil dólares por ano passam quase duas horas a mais por dia em frente a dispositivos digitais do que crianças de famílias que ganham acima de 100 mil dólares anuais.
Essa diferença está atrelada a múltiplos fatores, entre eles a falta de acesso a opções de cuidados infantis e atividades extracurriculares que não envolvam telas. Famílias com melhores condições financeiras podem investir em acampamentos, aulas de música, esportes e outras atividades que ocupam o tempo das crianças de forma saudável e sem a presença constante de aparelhos eletrônicos.
Por outro lado, para muitos pais e mães da classe trabalhadora, especialmente aqueles que trabalham em turnos variados ou funções informais, as telas funcionam como uma ferramenta essencial para garantir que as crianças estejam seguras e ocupadas enquanto eles cumprem suas jornadas de trabalho.
Mais dispositivos não significam mais tempo de tela
Embora famílias mais ricas tenham maior acesso a dispositivos tecnológicos, isso não se traduz necessariamente em mais tempo de tela para as crianças. A diferença está no acesso a recursos e privilégios que permitem estruturar o tempo livre de forma diversa. Crianças das classes média e alta costumam ter uma rotina repleta de atividades extracurriculares, enquanto crianças da classe trabalhadora, especialmente as muito jovens, podem dispor de mais tempo livre, que frequentemente é preenchido pelo uso da tecnologia.
Além disso, o acesso a espaços seguros para brincar ao ar livre, que é frequentemente recomendado como alternativa ao tempo de tela, está condicionado a fatores econômicos. Áreas de lazer e parques públicos podem ser inacessíveis ou inseguros em comunidades de baixa renda, tornando a permanência em ambientes internos com telas uma alternativa mais viável.
O estigma e o julgamento sobre o tempo de tela
O debate sobre o tempo de tela costuma ser permeado por um tom moralista, que muitas vezes culpa os pais por hábitos considerados inadequados. Esse julgamento ignora as desigualdades estruturais que afetam o acesso a creches, programas escolares e espaços de lazer de qualidade. A falta de reconhecimento dessas condições contribui para a estigmatização das famílias de baixa renda, reforçando preconceitos e dificultando a construção de soluções efetivas.
Segundo especialistas como Erin Walsh e Devorah Heitner, é fundamental compreender que o tempo de tela está inserido em um contexto social complexo, e que a resposta para o uso consciente da tecnologia não pode ser apenas a restrição, mas sim o apoio às famílias para que elas tenham acesso a alternativas reais e seguras para o lazer e o aprendizado dos filhos.
Repensando o tempo saudável de tela
Especialistas recomendam que o foco da discussão sobre tempo de tela saudável deve se deslocar da quantidade para a qualidade do conteúdo e das experiências digitais oferecidas às crianças. O objetivo é garantir que o uso da tecnologia contribua para o desenvolvimento, aprendizagem e socialização, sem prejudicar aspectos essenciais como sono e atividade física.
Richard Culatta, CEO das organizações ISTE e ASCD, destaca que o que realmente importa é como as crianças utilizam a tecnologia, e não apenas quanto tempo passam em frente às telas. Estabelecer normas digitais saudáveis, dialogar sobre o valor do conteúdo e participar do tempo de tela com os filhos são práticas recomendadas para criar um ambiente digital equilibrado e educativo.
Dicas para uma cultura digital saudável em casa
- Configurara controles parentais para promover o diálogo antes da instalação de novos aplicativos.
- Desativar o autoplay em aplicativos de vídeo para que as crianças escolham conscientemente o que assistir, evitando a influência de algoritmos.
- Desligar notificações desnecessárias para reduzir distrações e o uso compulsivo de apps.
- Conversar com os filhos sobre o valor e a qualidade dos conteúdos digitais, incentivando o uso de aplicativos e vídeos educativos alinhados aos interesses deles.
- Participar do tempo de tela junto com as crianças, transformando esses momentos em experiências compartilhadas, seja assistindo ou jogando.
Em resumo, o tempo de tela das crianças deve ser compreendido dentro de um contexto social amplo, que leve em conta as desigualdades existentes no Brasil e respeite as dificuldades enfrentadas pelas famílias. O julgamento simplista e o estigma não contribuem para soluções efetivas. É necessário promover políticas públicas e iniciativas que ampliem o acesso a espaços de lazer, creches de qualidade e alternativas educativas, garantindo um desenvolvimento saudável para todas as crianças, independentemente de sua classe social.
Considerações finais: O debate sobre o tempo de tela das crianças no Brasil precisa ser abordado com empatia, levando em conta as desigualdades sociais e as realidades das famílias. Mais do que restringir o uso, é fundamental entender o contexto, promover o acesso a alternativas de lazer e educação, e apoiar os pais na construção de uma cultura digital saudável e equilibrada para seus filhos.
Gostou deste artigo?
Compartilhe com outros pais que possam se beneficiar desta informação! E não deixe de explorar nossos outros artigos sobre Maternidade.